O QUE É A “PÓS-MODERNIDADE”…
Por Roberto N. Amorim
DEFINIÇÃO…
Vivemos um tempo de mudanças, mudanças profundas em todos os sentidos: no campo das ciências e tecnologias, da política, nas relações sociais entre outros. E todas essas mudanças são frutos do vento do desenvolvimento econômico e tecnológico que empurrou as relações humanas e sociais para a direção da pós-modernidade.
A pós-modernidade é definida por muitos autores como a época das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores, no abandono do otimismo.
Chamada e estudada como Pós-Modernidade, ela é caracterizada por mudanças significativas provocadas e vividas pelo homem. Entre as mais evidentes, e que desencadearam muitas outras, pode-se apontar a globalização, unificadora das sociedades do planeta, um novo modo de cultura e as novas condições que põem em perigo a continuidade da espécie humana.
A Pós-Modernidade surgiu com a desconstrução de princípios, conceitos e sistemas construídos na modernidade, desfazendo todas as amarras da rigidez que foi imposta ao homem moderno. Com isso, os três valores supremos, o Fim, representado por Deus, a Unidade, simbolizada pelo conhecimento científico e a Verdade, como os conceitos universais e eternos, já estudados por Nietzsche no fim do século XIX, entraram em decadência acelerada na Pós-Modernidade.
Por conta disso, para a maioria dos autores, a Pós-Modernidade é traçada como a época das incertezas, das fragmentações, da troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, da apatia, do consumo de sensações e do fim dos grandes discursos.
OS EFEITOS GERAIS…
Como conseqüência dessa derrocada, surgiram outros fenômenos sociais e culturais. O declínio da esfera pública e da política, a crise ecológica, o impasse histórico do socialismo, os tribalismos, a expansão dos fundamentalismos, as novas formas de identidade social e as conseqüências da informatização sobre a produção e sobre o cotidiano trouxeram à tona a discussão sobre a pluralidade e a fragmentação presentes na época atual.
Essas mudanças e outras que também marcaram a história da humanidade, como a explosão da bomba atômica em Hiroshima, o perigo nuclear e o terrorismo internacional, fizeram com que o futuro se tornasse incerto e ameaçador, enfraquecendo a crença na posteridade e fazendo com que as ações humanas passassem a ser conduzidas focando apenas o presente, diluindo assim o sentido da continuidade histórica.
Essa conduta, associada ao avanço ininterrupto dos meios tecnológicos de comunicação e aos efeitos da globalização com a sua queda de fronteiras, fez emergir um novo tipo de sociedade, caracterizada, salvo raras exceções, pelo narcisismo, pelo hedonismo, pelo imediatismo e pelo consumismo. Sem a pretensão de tomada do poder, essa nova organização social participa, sem envolvimento profundo, de pequenas causas e dá adeus à esperança e aos grandes ideais.
Ao mesmo tempo em que se associou à Pós-Modernidade a decadência das grandes idéias, valores e instituições ocidentais como Deus, Ser, Razão, Sentido, Verdade, Totalidade, Ciência, Sujeito, Consciência, Produção, Estado, Revolução e Família, valorizou-se outros temas considerados menores ou marginais em filosofia, como Desejo, Loucura, Sexualidade, Linguagem, Poesia, Sociedades Primitivas, Jogo, Cotidiano, enfim, elementos que abrem novas perspectivas para a liberação individual.
Às vezes parece que o mundo está de pernas para o ar. No bombardeio de informações e notícias que chegam à sociedade a cada instante, seja por meio do rádio, da televisão, de revistas ou da Internet, a violência, os atos de corrupção, os seqüestros, os crimes com requintes de crueldade ganham cada vez mais destaque.
Vive-se numa época de grande barbárie e de pouca solidariedade. São tempos de alta competitividade guiados pela lógica da acumulação de bens e das aparências. Em nome dessa nova ideologia, os indivíduos se permitem agir passando por cima de valores que sequer chegaram a formar. O que importa é ser reconhecido, ser admirado, ter acesso a uma infinidade de produtos e serviços e usufruir o máximo do prazer.
A educação recebida dos pais e das escolas, os valores como ética, moral e caráter, a religião, a solidez do casamento e da família, estão perdendo espaço para novas formas de comportamento regidas pelas leis do mercado, do consumo e do espetáculo.
E para isso, tudo é válido. Age-se de acordo com o momento e com a conveniência. “Pegar um atalho”, como se diz na linguagem da informática, tornou-se uma prática comum. Nesse contexto, não há por que esperar e se sacrificar para adquirir bens e ter sucesso, se existe meios mais rápidos para conseguir o que se pretende.
OS SINTOMAS SOCIAIS…
A sociedade pós-moderna se caracteriza pelas ações de seus sujeitos que seguem a cartilha das ideologias materialistas – o ter acima do ser – do hedonismo – o prazer acima de tudo – da permissividade – tudo é bom desde que me sinta bem – relativismo – “não há nada absoluto, nada totalmente bom ou mau e as verdades são oscilantes” – consumismo – se vive para consumir, há uma contínua substituição de tudo: coisas, pessoas, relações, etc. Niilismo – caracterizada pela subjetividade, a paixão pelo nada, e a descrença em qualquer fundamentação religiosa para a existência humana numa indiferença assustadora.
Na sociedade ocidental pós-moderna a visibilidade de cenas tende a ser obscena, quando exclui a dimensão da subjetividade e da privacidade das pessoas. Ou seja, anula-se a dimensão do privado, tornando “tudo” público, do cotidiano dos ansiosos por fama dos ex-anônimos do programa televisivo Big Brother, aos já famosos da revista Caras, e, também, o ritual histérico dos evangélicos, dos carismáticos e islâmicos, que se oferecem para serem vistos pela televisão seduzindo todos com suas “justas causas”, aos miseráveis igualmente noticiados e fotografados decorrentes de algum fato jornalístico.
Os sintomas de obscenidade da era moderna de exploração sexual ou de exploração do trabalho, operavam sempre no oculto, eram marginalizadas aos subterrâneos da vida social. Os dispositivos ideológicos de manutenção das cosias como estavam, eram a opressão social, a repressão psíquica e o trabalho ideológico de recondução da libido para fins de trabalho ou exploração industrial; hoje, na sociedade pós-moderna, reforçando o que foi dito acima, operam mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado, como se decretasse o fim do segredo ou o fim da intimidade.
A doença da era moderna era a histeria, onde ocorria a teatralização do sujeito incapaz de suportar tanta repressão, originada no conflito endopsíquico. Freud funda a psicanálise graças às histéricas que lhe insinuam um gozo impossível. O mal-estar da cultura pós-moderna é mais complexo, os sintomas subjetivos se pulverizaram no disfarce coletivo, parecendo que “estamos todos bem”.O mal-estar pós-moderno é visível e trivial, expressado na linguagem do cotidiano do trabalho compulsivo, muitas vezes vendido como se fosse “lazer” ou “ócio criativo”, que gera stress, a perversão, a depressão, a obesidade, o tédio.
Em termos de patologia social, a modernidade fez surgir coisas contraditórias como indústrias e a atitude liberal, a ciência, a tecnologia, a multiplicação da população pobre e de guerras racionais. A pós-modernidade marca o declínio da Lei-do-Pai, cujo efeito mais imediato no social é a anomia, onde a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas “justas”, “limpas” ou “cirúrgicas”. A razão cínica é cada vez mais instrumentalizada.
Na pós-modernidade a perversão e o estresse são sintomas resultados da falta-de-lei, da falta-de-tempo, e da falta-de-perspectiva de futuro, porque tudo se desmoronou (do muro de Berlin a crença nos valores e na esperança). Tudo se tornou demasiadamente próximo, promíscuo, sem limites, deixando-se penetrar por todos os poros e orifícios.
Nossa sociedade é regida mais do que pela ânsia de “espetáculo”; existe a ânsia de prazer a qualquer preço, não made in id [Isso] mas made in Superego. O superego pós-moderno “tudo vale” e “tudo deve porque pode”. Todos se sentem na obrigação de se divertir, de “curtir a vida adoidado” e de “trabalhar muito para ter dinheiro ou prestígio social”, não importando os limites de si próprio e dos outros.
As pessoas se sentem no dever de se vender como se fosse um prazer, de fazer ceia de natal em casa à meia noite, de comemorar o gol que todo mundo está comemorando, de curtir o carnaval nos 3 ou 4 dias, de seguir uma religião, de usar celular sem motivo concreto, de gastar o dinheiro que não têm, de fazer cursos e mais cursos, ascender na empresa, escrever mil e um artigos por ano na universidade, enfim, todos parecem viver na “obrigação” de se cumprir uma ordem invisível, e de ser visivelmente feliz e vencedor. O senhor invisível que no manda é o superego pós-moderno; “ele manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer”. E, ai daquele que não consegue, ou que se nega seguir a moral de rebanho, pagará de três modos: será estigmatizado pelos seus pares (“Ele quebrou o código, é um traidor do super-ego pós-moderno!”), ou pagará com um terrível sentimento de culpa ou, ainda, sofrerá os sintomas de uma doença psicossomática. Daí se descobre muito do vazio deixado no coração das pessoas e a tentativa de acabar com tudo através de um suicídio.
Não é sem motivo que os lugares de trabalho em que a competição é mais acirrada, onde não existem limites definidos entre trabalho, estudo e lazer, que encontramos pessoas queixosas, infelizes, freqüentemente visitando os médicos e hospitais. Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo.
O PÓS-MODERNISMO E A FÉ…
O maior desafio da igreja cristã em cada geração é se fazer entendida pelas pessoas de sua própria época. Esse fato é importante, pois nunca vamos conseguir falar de qualquer assunto, se não nos comunicarmos na linguagem cultural de nossa sociedade. Então, devemos ter o trabalho de pesquisar e entender o que se chama o “espírito da época”, ou as maneiras de pensar do homem atual, para que a mensagem chegue ao coração das pessoas.
O homem pós-moderno busca seu espaço apenas no presente. Em outras palavras o homem precisa tirar do seu Hoje toda a sua expectativa de desejo satisfeito, significado e realização de uma vida inteira.
A sobrecarga do presente leva o homem a uma insatisfação muito grande, pois não há imediatismo que consiga dar conta de toda a expectativa e esperança humana.
As reações, entretanto não param aí, ao sentir o vazio de propósito no seu interior o ser humano pós-moderno faz do entretenimento o alvo chave para seu querer.
Desde a descontração com os amigos num bar, passando por uma viagem turística até aos esportes radicais em contato com a natureza, sempre se busca um prazer compensador para todo o contexto indefinido da pós-modernidade.
Até a religião antes execrada pela modernidade volta à cena, não como era antes, mas como um dos instrumentos de alivio humano para o conflito interior de ser. Isto é, essa religião pós-moderna não precisa ter coerência nenhuma em seus pressupostos, mas apenas acolher o homem dando-lhe uma esperança, qualquer que seja. Como ela não exige coerência de visão ou de doutrina ela pode abusar para o misticismo irracional ou para o pragmatismo econômico sem cair em contradição, sendo que as religiões que possuem essas características são as mais procuradas pela população.
Os pós-modernos correram para as prateleiras dos supermercados da fé na tentativa de preencher o vazio da alma com “modismos espirituais”. Como se distanciaram da crença bíblica, passaram a adotar no lugar dela (no lugar do vazio espiritual) todo tipo de irracionalismo. Ao passo que negam a historicidade de Jesus (para não dizer a divindade dEle), acreditam em duendes, cristais, Nova Era… Ao mesmo tempo em que rejeitam a fé tradicional (graças aos resquícios do pensamento iluminista dos quais talvez nem se deem conta), abraçam crendices sem fundamento racional algum. (Aliás, o próprio Jesus é esvaziado e o cristianismo se torna irracional e místico.)
Assim, de um lado está a multidão espiritualmente desnorteada tentando encontrar/escolher uma crença que lhe dê maior satisfação (numa aplicação espiritual do pensamento consumista), e, de outro, mas em menor número, os herdeiros do Iluminismo/Naturalismo, os neo-ateus e céticos, colocando no mesmo “saco” todo tipo de crença. Onde os cristãos se inserem nesse contexto?
Resistentes que são às verdades reveladas e às instituições religiosas, os pós-modernos precisam ver na vida dos cristãos a diferença e a relevância que eles afirmam encontrar no evangelho. Precisam ver que ainda existe esperança, mas que ela não vem da humanidade; vem do alto. Apenas o evangelho vivido sincera, genuína e experimentalmente na vida dos cristãos poderá atrair os desesperançados e desesperados pós-modernos, sempre em busca dos prazeres, do consumismo e das experiências místicas que, na verdade, só fazem aumentar o vazio existencial.
Para alcançá-los temos que pregar o evangelho no contexto em que estamos inseridos. A apologética (a defesa da fé) ainda tem o seu lugar, tendo em vista que os que desafiam as bases racionais da fé (os herdeiros do Iluminismo) continuam por aí. Por isso, os cristãos devem se valer de todos os meios possíveis para divulgar a superioridade da Bíblia Sagrada, aproveitando-se dos poderosos recursos da era da informação. Mas nunca é demais lembrar que isso não basta para o pós-moderno.
A modernidade destronou a Revelação e colocou em seu lugar a razão como árbitro da verdade – daí ser necessário, sim, usar a razão para chamar atenção à Revelação. Mas o pós-modernismo minimiza a ambas – a Revelação e a razão – e adiciona a intuição e o sentimento. E isso não é ruim, pois, na verdade, a cosmovisão cristã ultrapassa os limites da razão humana, avançando nos domínios do sobrenatural e da fé.
Se quisermos alcançar os pós-modernos, temos que ir além da mera proclamação racional da verdade. Temos que nos relacionar e mostrar a relevância prática do evangelho. Só assim as pessoas poderão ser convencidas de que, afinal, o estilo de vida proposto por Deus é o único que oferece verdadeira esperança. Vendo na vida dos cristãos a felicidade, a harmonia, a saúde, a paz – valores buscados por todos -, muitos se convencerão de que a cosmovisão bíblica não faz sentido apenas para os cristãos, mas que se trata de boas-novas para todos. Além disso, é preciso – com todo tato e respeito – mostrar as incoerências (além das potencialidades) do pós-modernismo e a impossibilidade de ajustá-lo ao dia a dia.
O projeto iluminista favoreceu o dualismo “mente” e “matéria”. A nova geração, no entanto, está cada vez mais interessada na pessoa como um todo. Se faz necessários apresentar uma visão holística que do ser humano e a importância que da saúde, da educação integral, ou seja, valorizando os aspectos físico, mental, espiritual e social, exatamente como Jesus fez durante Seu ministério terrestre.
Como os pós-modernos valorizam a vida em comunidade é preciso se valer de recursos como os pequenos grupos e mesmo as tradicionais reuniões de culto (com algum tipo de reformatação) para mostrar que concordamos com a ideia de que os indivíduos se aproximam do saber por meio de uma estrutura cognitiva mediada pela comunidade da qual participam, que também é essencial para a formação da identidade. Na verdade, devemos deixar claro que o conceito de comunidade é extremamente valorizado nas Escrituras.
Embora entendamos que os princípios da Palavra de Deus não devam ser adaptados convenientemente às convenções e aos padrões humanos, é importante compreender o pensamento reinante a fim de que a proclamação do evangelho seja tornada relevante para as pessoas que vivem neste momento histórico.